“Um sonho realizado”, diz Wilson Lima (União Brasil), mas será que o sonho do governador é o mesmo dos amazonenses? Gastando mais de um bilhão com segurança pública, o chefe do executivo ignora e ‘engana’ os 430 aprovados no concurso da PC-AM, que estudaram, passaram pelo Curso de Formação Policial (CFP) e aguardam a prometida convocação.
Em outubro do ano passado, o governo do Amazonas divulgou que investiu R$ 790 milhões nas Forças de Segurança em seis anos da gestão Wilson Lima, o que equivale ao investimento de R$ 131 milhões por ano e mais de R$ 10,9 milhões por mês. O governo afirmou ainda: “Desde 2019, o montante investido na segurança estadual já alcança R$ 1 bilhão, consolidando as polícias amazonenses como uma das forças mais bem equipadas e remuneradas do Brasil”.
Com quase 7 anos de governo, Wilson Lima se vangloria de realizar os primeiros concursos para segurança pública em 11 anos no Amazonas. Enquanto Lima comemora o feito, famílias seguem sem rumo e desamparadas, porque muitos dos aprovados e dos que seriam convocados estando no cadastro reserva, na promessa de triplicar a força policial, seguem esperando sem previsão para assumir os cargos.
Sem falar da Polícia Civil, nas redes sociais, o governador ‘espremeu’ e promoveu a própria imagem usando a formatura dos 1 mil novos soldados da Polícia Militar (PM-AM), foram pelo menos 9 publicações em seu Instagram, usando de artifícios de TBT, retrospectiva, ações da segurança pública e por aí vai.
O que o governo diz x a realidade
Apesar de fazer essa propaganda de altos investimentos, em novembro do ano passado, o governo do Amazonas protagonizou um grande escândalo que virou matéria na imprensa nacional: viaturas da Polícia Militar paradas e caindo aos pedaços em uma oficina, por falta de pagamento do aluguel dos veículos, que estava no valor de R$ 33 milhões.
O escândalo causou pânico na população amazonense, tendo em vista o baixo efetivo de policiais e as poucas viaturas usadas ainda estando paradas, isso em uma época em que se aproximavam as festas de fim de ano.
A insegurança foi revertida, dias depois, quando o governo anunciou as operações de fim de ano e pagou pelos aluguéis, mas nesse cenário, os amazonenses já temiam que isso voltasse a se repetir.
Cansados de esperar
A equipe de reportagem do portal Amazônia Press conversou com um dos aprovados no concurso que aguarda para ser convocado para a vaga de Escrivão de Polícia Civil – 4ª Classe, que prefere não ter a identidade divulgada, mas relata estar decepcionado com a falta de compromisso do governador Wilson Lima em cumprir com o edital.
“Estamos formados desde 17 de fevereiro de 2023, com os Certificados de conclusão do CFP emitidos pelo IIESP e o resultado oficial do concurso homologado no Diário Oficial do Estado do dia 04 de julho de 2023. Importante dizer que, devido às alterações realizadas nos editais 001/2021 (Delegados) e 002/2021 (Escrivães, Investigadores e Peritos), todos os que cursaram o CFP são considerados como NAS VAGAS e os demais aprovados não convocados são CADASTRO DE RESERVA. Portanto, no concurso da Polícia Civil há 430 formados e todos possuem direito à nomeação”, declarou.
O entrevistado argumenta que, conforme a vacâncias dos cargos da PC-AM existe uma enorme defasagem nos quadros de servidores policiais, e que mesmo que os 430 fossem convocados, não preencheriam nem 25% das vagas existentes no órgão. Do mesmo modo, se fossem convocados todos os aprovados do Cadastro de Reserva, ainda assim sobrariam cargos.
O homem relata que passou mais de um ano se preparando para o concurso que recebeu mais de 79 mil inscritos, sendo um dos mais concorridos do Brasil na carreira policial, mas que está destruindo as expectativas da tão sonhada vaga.
“Assim como muitos outros colegas, tive que pedir demissão de um emprego estável, de 15 anos, para vir cursar o CFP. Após o término, não consegui me realocar no mercado de trabalho e fiquei desempregado. Tenho família (esposa e filho) que dependem de mim e ficamos em situação financeira complicada por causa dessa política equivocada do governo de convocar para o CFP sem ter a expectativa de nomear em seguida. De todos os estados do Brasil que fizeram concursos no mesmo período, o Amazonas é o único que ainda não nomeou todos os aprovados nas vagas”, lamentou.
O homem relata que passou mais de um ano se preparando para o concurso que recebeu mais de 79 mil inscritos, sendo um dos mais concorridos do Brasil na carreira policial, mas que está destruindo as expectativas da tão sonhada vaga.
“O processo para preparação envolveu muita dedicação aos estudos e aos treinamentos físicos. Durante o processo, dormia tarde da noite e acordava ainda de madrugada para estudar e treinar. Literalmente, abdicava de todo o tempo livre pelo sonho de ser policial. Fora isso, ainda precisamos lembrar que os materiais para estudo não são baratos e muitas vezes precisam ser complementados por outros igualmente caros, levando a um grande custo financeiro para os concurseiros. Um dos atrativos, claro, foi o salário pago pela Polícia Civil do Amazonas, que para a classe inicial do meu cargo (Escrivão), é atualmente o melhor do Brasil entre todas as PC’s. Mas a principal motivação mesmo é ter o sentimento de pertencimento a uma instituição respeitada como é a Polícia Civil e poder exercer a atividade policial e ter a satisfação de servir e proteger a população, combatendo os criminosos. Ser policial sempre foi um sonho que mantive incubado até que decidi encarar esse desafio e o fato de ter conseguido aqui no Amazonas, um estado vizinho e na minha região, só fez aumentar as expectativas”, explicou.
Nossa equipe perguntou ao aprovado, que é natural de Rondônia, sobre o que ele tem feito para se manter em Manaus estando desempregado e à espera da convocação.
“Eu fui aprovado em primeiro lugar em um curso de mestrado aqui em Manaus e isso me garantiu direito a uma bolsa acadêmica que me paga o valor de 2.100,00 reais. Esse é o total da minha renda atual, para custeio de todas as despesas aqui em Manaus (aluguel, transporte, alimentação e serviços essenciais). Isso corresponde a menos do que 30% do que era a minha renda no meu emprego anterior”, relatou.
Questionamos o aprovado sobre a ajuda de órgãos fiscalizadores para atuar nesse caso, mas segundo o mesmo, não houve nenhuma ação que de fato apressasse o governo Wilson Lima a cumprir com sua palavra.
“Já procuramos o Ministério Público do Estado e a Defensoria Pública do Estado, no âmbito destes órgãos, como titulares para a proposição da chamada Ação Civil Pública, que em outros estados como no Rio Grande do Norte, resultaram na obrigação do estado nomear com base na necessidade de efetivo acima da discricionariedade da administração pública. Mas ambos os órgãos alegaram que não poderiam fazer muito pela gente. O MP até chegou a abrir um Inquérito Civil Público para apuração preliminar do caso, mas ao que sabemos está parado, pois o promotor responsável não tem estrutura para tocá-lo à frente e transformar em uma ACP. Com a Defensoria, eles alegaram que devido ao inquérito já aberto no MP, também não poderiam nos ajudar. E assim ficamos sem ninguém para nos defender coletivamente em juízo. Diante de tudo isso, uma última informação que é preciso ser dita também, é que muitos colegas de outros estados já passaram e estão buscando outros concursos públicos em seus estados de origem (inclusive eu), já que o Amazonas se mostrou hostil aos aprovados nos concursos da segurança pública daqui. O sentimento de frustração faz com que bons profissionais formados aos custos de milhões de reais pelo estado, deixem de cumprir o seu propósito e quem perderá com isso é a população amazonense”, finalizou.
Prazer em sabonetar
A equipe de reportagem do portal Amazônia Press entrou em contato com o governo do Amazonas e com a Secretaria de Segurança Pública (SSP-AM), explicamos que muitos dos aprovados que vieram de outro estado, estão desempregados e passando fome, já os aprovados que são amazonenses, também seguem sem emprego e trabalham como motoristas de aplicativo para sobreviver.
Em nota, a SSP declarou que “em novembro do ano passado, realizou o chamamento de 1.700 servidores para as Forças de Segurança e Departamento Estadual de Trânsito (Detran-AM), aprovados no concurso público realizado em 2021, após o estado ter passado mais de 11 anos sem realizar concurso”.
Afirmou ainda que “em conjunto com demais órgãos do Governo do Amazonas, está em fase de conclusão do estudo e levantamento para chamamento de mais aprovados no certame, conforme disponibilidade orçamentária do estado”.
E, na tentativa de fugir do assunto, a SSP pontuou: “Vale reforçar que, para a Polícia Militar do Amazonas, já foram chamados mil soldados aprovados, dentro do limite de vagas previsto no edital, em 2024, e que já estão nas ruas. Além disso, está em andamento o planejamento orçamentário para a convocação de outros mil soldados, dentro do cadastro de reserva, e a convocação de aprovados para oficiais, que vão se juntar aos que já estão participando do curso de formação”.
Novamente entramos em contato e pedimos clareza nas informações fornecidas sobre a convocação dos aprovados da PC-AM. Destacamos que estamos tratando de diversas pessoas que já concluíram o Curso de Formação Policial (CFP) e que aguardam por essa definição, considerando que muitos se encontram atualmente desempregados. O espaço segue aberto para que o Governo e a Secretaria possam trazer convicção nas informações.