Pode parecer surpreendente, mas Pep Guardiola é uma das principais influências de Abel Ferreira em sua trajetória como técnico de futebol. O primeiro livro de Martí Perarnau sobre o treinador catalão, ‘Guardiola Confidencial’, está na sala de trabalho de Abel na Academia de Futebol do Palmeiras, numa pilha de obras que ficam à disposição de quem visita o local. Ainda que não seja fácil notar semelhanças de estilo entre o Palmeiras e os times dirigidos por Pep, o jogo permite que Abel seja um proponente de ideias de José Mourinho e um admirador da criatividade de Guardiola, como forma de desenvolver seu próprio perfil profissional.

É possível que Abel também preste atenção na maneira como Guardiola se comunica, porque repetiu, neste ano em que seu time não conseguiu reproduzir as conquistas das primeiras temporadas sob seu comando, uma ‘declaração estratégica’ usada pelo técnico do Manchester City durante a disputa da Premier League 2022/2023. Enquanto o Arsenal liderava o campeonato com um aproveitamento que projetava a marca dos 100 pontos, Guardiola falava sobre a dificuldade de alcançar o time londrino e ‘previa’ o título do rival. É o mesmo expediente escolhido por Abel, ao dizer que “o Botafogo tem tudo para ser campeão” e/ou que “dificilmente perderá o Campeonato Brasileiro”.

O encontro desta noite, no estádio Nilton Santos, é decisivo para a confirmação da opinião do treinador do Palmeiras, ou para a chegada de seu time a uma posição que o obrigará a reformar o que disse. No último caso, Abel, por óbvio, não reclamará das circunstâncias. Uma eventual vitória do Palmeiras sobre o líder é provavelmente a última possibilidade de desviar a rota do troféu que, desde o início do campeonato, parece a caminho da sala em General Severiano onde é aguardado desde que a competição existe. Num campeonato que em teoria não tem finais, não é um exagero dizer que o Botafogo joga para ser campeão nesta quarta-feira (1º).

Se perder, a diferença – que já esteve em 14 – cairá para 3 pontos, o que forçará o Botafogo a se apegar à classificação por pontuação perdida, que considera o jogo contra o Fortaleza, a ser realizado. O problema deste raciocínio é assumir como ganhos os pontos que ainda serão disputados, o equivalente ao vendedor que já conta com a comissão de um negócio que ainda não foi feito. Basta o comprador mudar de ideia para o mundo cair. A pressão que o Botafogo claramente já experimenta, por queda de desempenho e os receios que caracterizam este tipo de situação, atingiria o nível máximo.

Após a derrota em casa para o Cuiabá, a quarta rodada seguida sem vitória, notou-se o emprego da palavra “ainda” em declarações de botafoguenses sobre a posição do time na classificação e a vantagem em relação aos demais. São fatos, mas “ainda” também significa “até agora”, o que revela um quadro em processo de transformação. A missão do Botafogo é interrompê-lo, e para tanto, tomar decisões como impedir os jogadores de dar entrevistas – mesmo que tenha sido a pedido deles – apenas aumenta o peso que carregam nos últimos passos de uma caminhada potencialmente histórica, para o lado bom ou ruim.

Como se sabe, o Manchester City venceu o Arsenal no jogo do segundo turno na Inglaterra e conquistou a temporada passada por cinco pontos de diferença. Não se sabe se a declaração de Guardiola foi um reflexo do que ele pensava ou uma forma de pressionar ainda mais o time que ele pretendia superar. É a mesma dúvida que há hoje sobre as previsões de Abel.