Polícia investiga obra de arte que custou R$ 400 mil à prefeitura de Boa Vista e estragou após chuva

Boa Vista (RR) – A prefeitura de Boa Vista foi alvo nesta sexta-feira (21) de uma operação que investiga supostas irregularidades no contrato para a pintura do mural do artista brasileiro Eduardo Kobra. A ação cumpriu quatro mandados de busca e apreensão e foi deflagrada pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público de Roraima e pela Polícia Civil.

O mural de 180 metros, que representa uma iguana gigante, foi assinado pelo artista e a pintura foi realizada por uma equipe dele enviada a Boa Vista. A obra custou R$ 400 mil aos cofres públicos e fica no Parque do Rio Branco, um dos pontos turísticos da capital do estado.

O mural foi inaugurado em dezembro de 2020 e, em abril de 2021, estava totalmente deteriorada. A equipe de Kobra, então, restaurou a obra de arte em maio de 2021 sem custos para a prefeitura.

Quais são as suspeitas

A Operação Aquarela investiga a contratação de Kobra pela prefeitura. A suspeita da Promotoria do Patrimônio Público e da Polícia Civil é de que houve superfaturamento de contrato de serviço, e que ele não foi entregue como deveria. A operação também tem o apoio da Secretaria de Segurança Pública (Sesp).

Os crimes investigados são fraudes em contratos públicos, peculato e falsidade ideológica. Porém, o Gaeco e a polícia ainda não informaram quais são as suspeitas contra Kobra.

Foram alvos de buscas a casa do superintendente da Fundação de Educação, Turismo, Esporte e Cultura (Fetec), Daniel Lima, responsável pelos contratos, a sede da Fetec, localizada no Teatro Municipal, e a casa do fiscal que atuou no processo de contratação. Em São Paulo, o mandado seria cumprido pela Polícia Civil paulista.

O Gaeco afirma que o “contrato se deu com dispensa de licitação, sob o argumento de que somente o artista poderia executar tal obra” e que, na investigação, foi verificado que não foi o artista contratado quem executou o serviço. “A arte e pintura deveriam ser realizadas exclusivamente pelo artista contratado. Esta também foi a justificativa para a dispensa de licitação, visto se tratar de artista renomado”, disse.

O artista, no entanto, reafirmou que não pôde viajar ao estado porque pertencia ao grupo de risco da Covid. “Eu não poderia viajar até Roraima por respeito ao isolamento e pelo fato de eu pertencer a um grupo de risco, o que aumentava exponencialmente meu perigo de contrair Covid. Durante a Pandemia fizemos poucos trabalhos, quase todos foram beneméritos, para arrecadar fundos para pessoas necessitadas e entidades que atuam na área da Saúde”, reforçou Kobra.

Veja a íntegra da nota da Prefeitura de Boa Vista

A Prefeitura de Boa Vista informa que sempre trabalhou com transparência, e preza pela aplicação dos recursos públicos de forma responsável, nunca tendo sido alvo de investigações que resultassem em operações policiais.

Na manhã desta sexta-feira, 22, a prefeitura recebeu com surpresa a notícia de uma operação na FETEC. O fato causa estranheza e indignação pela espetacularização, considerando o momento político que estamos vivendo, ou seja, é preciso sim apurar os fatos, mas é preciso também ser questionada a verdadeira motivação da operação, com todo o aparato presente no local ligado ao Governo do Estado.

O respeito ao dinheiro público sempre foi um compromisso das gestões municipais de Boa Vista.

Todos os documentos requisitados hoje pelo Ministério Público Estadual e Polícia Civil do Governo do Estado já foram entregues anteriormente e estão publicados no portal da transparência, para qualquer cidadão verificar.

Confiamos na justiça e estamos à disposição para quaisquer informações adicionais.

Íntegra da nota de Eduardo Kobra

Em atenção ao noticiado nesta sexta-feira, a respeito de obra de minha autoria inaugurada em dezembro de 2020 na cidade de Boa Vista, cumpre-me esclarecer os seguintes pontos:

1 – Eu, Eduardo Kobra, atuo há mais de três décadas como muralista. Já pintei murais em diversos estados brasileiros e em mais de 40 países. Em todos os trabalhos – dos murais pequenos aos de grandes dimensões – agimos com profissionalismo, transparência, paixão e respeito pela arte e pelo público.

2 – Fui contratado pela prefeitura de Boa Vista para executar o trabalho. De minha parte, como sempre em minha carreira, todo o valor está declarado, com os impostos e taxas pagos conforme a lei. Sobre isso, informo que toda a documentação referente à minha contratação, bem como os comprovantes de recebimentos e de pagamentos pertinentes ao caso estão à disposição de autoridades que precisem confirmar o caráter lícito,.

3. O valor da minha contratação é compatível com uma obra de tais dimensões e a minha trajetória. Além disso, um trabalho assim envolve diversos custos de materiais, equipamentos, deslocamentos da equipe e remuneração dos diversos profissionais envolvidos.

4 – O fato de eu não ter executado a obra de forma presencial não é e nem nunca foi ocultado. Criar e executar com uma equipe é prática habitual no mundo artístico contemporâneo. Devido à Pandemia, como foi amplamente divulgado pela imprensa, cancelei ou adiei em 2020 e parte de 2021 os trabalhos que faria no Exterior e em alguns estados brasileiros. Nesse trágico período, profissionais não apenas no Brasil, mas em todo o mundo, tiveram que adaptar seu cotidiano e modo de trabalho. Meu caso não é diferente. Eu não poderia viajar até Roraima por respeito ao isolamento e pelo fato de eu pertencer a um grupo de risco, o que aumentava exponencialmente meu perigo de contrair Covid. Durante a Pandemia fizemos poucos trabalhos, quase todos foram beneméritos, para arrecadar fundos para pessoas necessitadas e entidades que atuam na área da Saúde. Destaco também que o trabalho de execução da obra não foi terceirizado para outra empresa: foi realizado por artistas da minha equipe, que sempre pintam comigo. Todo o processo de pesquisa, estudo, criação das artes, assim como preparo de moldes e stensils foram feitos por mim no meu estúdio. Isto foi previamente combinado com a contratante e sempre tratado de forma transparente.

5. Sobre a pintura, sempre existe um processo natural de desgaste. Eu mesmo tenho um projeto, amplamente noticiado em jornais, sites e televisões, chamado “A Arte de Restaurar”, que visa restaurar algumas das obras que se tornaram pontos icônicos das cidades. Esse desgaste leva anos para acontecer. Em Boa Vista ocorreu em quatro meses! Nunca em nossa trajetória havia acontecido nada do gênero. O problema é no muro, é estrutural; não tem relação com a qualidade das tintas ou com a técnica utilizada. Mesmo assim, embora não fosse parte do meu contrato, destaquei uma equipe própria para efetuar um restauro no ano passado, quando o problema surgiu. E sigo à disposição para discutir, junto à equipe técnica da contratante, possíveis soluções para que, mais do que remediado, o problema possa ser resolvido de forma definitiva.

6. Por fim, reafirmo o meu compromisso com a lisura das informações e o meu respeito ao patrimônio público. Toda a minha carreira foi pautada pela ética e por condutas socialmente corretas e estou seguro que esses mesmos valores também nortearam este trabalho. Estou à disposição para quaisquer esclarecimentos que se façam necessários, seja por parte de autoridades, seja por parte da imprensa.

Eduardo Kobra

Nota do MP em resposta à prefeitura

O Ministério Público do Estado de Roraima (MPRR) informa, por meio da Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público, que a Operação Aquarela, realizada na manhã desta sexta-feira, 22 de julho, foi deflagrada com base no inquérito policial instaurado na Delegacia de Crimes contra a Administração Pública.

O Ministério Público acompanha o inquérito, pois é o titular da Ação Penal e no curso da investigação foram solicitadas ao poder judiciário medidas cautelares com o objetivo de descortinar os crimes apurados. O juiz da Fazenda Pública acolheu integralmente o pedido para a coleta de provas e vestígios de irregularidades praticadas na contratação em questão, já que a documentação fornecida pelo órgão público municipal não foi suficiente para elucidação do caso e há fortes indícios de contratação irregular pela administração pública.

A Promotoria de Defesa do Patrimônio Público contou com apoio do GAECO- Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado, da Polícia Civil e da Segurança Institucional do MPRR.

É importante destacar que o MPRR continuará mantendo sua postura autônoma e independente, defendendo o cumprimento da lei e os direitos do cidadão.

Fonte: G1 AM