Deltan usou caso de Moro para pedir manutenção do mandato; entenda diferenças na visão do TSE

 

Por Mateus Rodrigues, g1 — Brasília


Deltan Dallagnol, ex-chefe da Lava Jato no Paraná, agora é colega de partido de Moro no Podemos — Foto: Eduardo Matysiak/Futura Press/Estadão Conteúdo

Ao se defender no processo que resultou na cassação de seu mandato parlamentar, o agora ex-deputado federal Deltan Dallagnol (Podemos-PR) afirmou que sua situação frente à Justiça Eleitoral era “extremamente similar” a um processo contra o hoje senador Sergio Moro (Podemos-PR), que terminou sem punições.

Moro e Dallagnol tiveram suas candidaturas nas eleições 2022 questionadas com base na Lei da Ficha Limpa – ambos, por terem deixado as respectivas carreiras no Judiciário e no Ministério Público, supostamente, para se candidatarem a cargo público.

Os casos chegaram ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mas o destino das duas ações foi distinto: Moro teve a candidatura validada por unanimidade, enquanto Dallagnol foi cassado também por placar unânime.

No caso de Deltan, a defesa afirma que o procurador não tinha processos administrativos disciplinares (PADs) em aberto quando pediu exoneração, mas sim sindicâncias e reclamações – ou seja, apurações preliminares que poderiam, ou não, dar origem a PADs no futuro. E que, por isso, não houve tentativa de burlar a lei.

O TSE avaliou, no entanto, que Deltan pediu exoneração do MP  exatamente para evitar que essas investigações preliminares se convertessem em PADs no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).

Entenda abaixo:

TSE cassa registro de candidatura de Deltan Dallagnol, ex-procurador da Lava Jato

TSE cassa registro de candidatura de Deltan Dallagnol, ex-procurador da Lava Jato

O que prevê a lei?

 

A Lei Complementar 135/2010, conhecida como “Lei da Ficha Limpa”, atualizou uma lei de 1990 para prever, logo no primeiro artigo, quais são as hipóteses de inelegibilidade – ou seja, as condições para que alguém seja impedido de disputar eleições.

A lei diz que são inelegíveis para qualquer cargo:

“… os magistrados e os membros do Ministério Público que forem aposentados compulsoriamente por decisão sancionatória, que tenham perdido o cargo por sentença ou que tenham pedido exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar, pelo prazo de 8 (oito) anos.”

 

Essa regra foi citada nos dois pedidos de impugnação de candidatura feitos pela coligação que elegeu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em outubro passado.

Como o TSE avaliou o caso de Dallagnol?

 

O processo contra Deltan Dallagnol foi julgado nesta terça (16). Por 7 votos a 0, o plenário seguiu o voto do ministro relator Benedito Gonçalves e definiu a cassação imediata do mandato.

Na avaliação do TSE, Deltan pediu exoneração do MP no fim de 2021 para evitar que reclamações disciplinares (pedidos de abertura de processo disciplinar) levassem a punições que o tornariam “ficha suja”.

A coligação que elegeu Lula afirmou ao TSE que, ao pedir exoneração no Ministério Público, o ex-procurador já tinha sido condenado a penas de advertência e censura em dois processos no Conselho Nacional do MP.

E respondia a outros 15 procedimentos para apurar possíveis infrações no cargo – que poderiam levar a processos administrativos e punições, mas foram arquivados em razão da exoneração.

“[…] Embora via de regra essa causa de inelegibilidade pressuponha a existência de processo administrativo disciplinar (PAD) que possa acarretar aposentadoria compulsória ou perda do cargo, aduz-se que o recorrido antecipou seu pedido de exoneração de forma proposital exatamente para evitar que os outros 15 procedimentos diversos que tramitavam contra ele fossem convertidos ou dessem origem aos PADs”, diz o voto de Gonçalves ao citar os argumentos da ação.

O relator lista cinco elementos que, juntos, indicam “fraude à lei” por parte de Dallagnol:

  • a existência de censuras e advertências nos casos anteriores – antecedentes que, em novos julgamentos no conselho do MP, poderiam levar a punições mais graves;
  • a existência dos 15 procedimentos preliminares que foram “arquivados, extintos ou paralisados” com o pedido de exoneração;
  • o caso do procurador da República, Diogo Castor, que foi punido em 18 de outubro de 2021 com demissão por contratar e instalar um outdoor em homenagem à Lava Jato – com foto de si mesmo e de Dallagnol;
  • o pedido de exoneração de Dallagnol ter sido protocolado apenas 16 dias após a condenação do procurador (Deltan pediu demissão em novembro e poderia ter saído até maio);

Com isso, Gonçalves avaliou no voto que Dallagnol pediu exoneração para escapar de punições e, por isso, estava inelegível no momento do registro da candidatura. Os demais ministros concordaram.

Defesa

 

O advogado do parlamentar, Leandro Rosa, afirmou ao TSE que, antes de pedir a exoneração, Deltan Dallagnol obteve, do Conselho Nacional do Ministério Público, uma declaração de que respondeu a dois processos administrativos que já estavam arquivados – um de 2019, com pena de advertência; outro, de 2020, com pena de censura. E que, com base no princípio da segurança jurídica e da confiança, fez o pedido de exoneração.

A defesa também argumentou que a lei que rege a atuação de servidores impede a exoneração de servidor que responde a este tipo de procedimento.

JG detalha decisão do TSE que cassou o mandato do deputado federal Deltan Dallagnol

JG detalha decisão do TSE que cassou o mandato do deputado federal Deltan Dallagnol

Como o TSE julgou o caso de Moro?

 

O processo que pedia a inelegibilidade de Moro, com base no mesmo trecho da Lei da Ficha Limpa, foi julgado em dezembro de 2022.

Relator do caso, o ministro Raul Araújo avaliou que a lei não tinha sido desrespeitada por dois motivos:

  1. quando Moro pediu exoneração do cargo de juiz, em 16 de novembro de 2018, não havia processos administrativos disciplinares (PADs) em aberto contra ele, mas sim, “procedimentos destituídos de caráter penalizante”, ou seja, ações preliminares;
  2. Moro pediu exoneração em 2018 por ter aceitado convite do então presidente eleito Jair Bolsonaro para comandar o Ministério da Justiça – e não para disputar as eleições, o que só ocorreu quatro anos depois.

 

Na avaliação do TSE, como não havia análise de elegibilidade para assumir o ministério, a Lei da Ficha Limpa não se aplica neste caso.

“Há de se ter justa causa apta a deflagrar expediente de cunho penalizante, um mínimo de suporte indiciário – o que não se extrai dos autos”, diz Araújo no voto.

 

“O mero inconformismo ou desavença diretamente derivados da estrita atuação jurisdicional, notadamente na possibilidade de serem motivados por paixões e interesses extra-jurídicos, não podem, a meu sentir, ter o condão de atrair a predita causa restritiva, sob pena de grave desvirtuamento do comando legal”, declarou.

Qual a situação atual dos processos?

 

Até a tarde desta quarta, o acórdão do julgamento do TSE sobre Deltan Dallagnol não tinha sido publicado. Na decisão, o tribunal definiu que a cassação tem “efeitos imediatos”.

Até o início da tarde, a Câmara dos Deputados ainda não tinha sido notificada da decisão. A assessoria de Deltan Dallagnol informou que o parlamentar recorrerá ao STF para tentar manter o mandato.

No caso de Sergio Moro, o processo no TSE transitou em julgado (não cabe mais recurso) em 18 de dezembro de 2022, ou seja, foi encerrado junto ao tribunal.

O senador responde a um outro processo na Justiça Eleitoral e, se condenado, pode também perder o mandato. Nesse caso, o PL pede a cassação em razão de supostas irregularidades nas contas de campanha.

Caso o ex-juiz perca o mandato, o segundo colocado na eleição, o ex-deputado federal Paulo Martins (PL), pode assumir o posto no Senado.